A obra literária do professor e filólogo J.R.R. Tolkien não teve paralelos em todo século XX. Estudioso apaixonado pela língua e literatura da Inglaterra medieval, Tolkien sentia que faltava à sua terra uma mitologia digna desse nome. Unindo o desejo de dar uma mitologia à Inglaterra com o prazer que sentia em criar línguas (algo que estava estreitamente ligado a seu processo criativo), Tolkien deu início a um grandioso ciclo de lendas, ambientado num passado mítico.
O resultado desse projeto são os livros “O Silmarillion”, “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis”, tendo o último ultrapassado a marca de 150 milhões de exemplares vendidos no mundo todo. Atualizando os romances e poemas épicos medievais, Tolkien criou um cenário majestoso e detalhado onde humanos e outros povos (elfos, anões e hobbits) enfrentam Morgoth e seu servo Sauron, “anjos” caídos que desejam escravizar toda a Terra-média.
Sua extraordinária capacidade e paixão como filólogo valeram-lhe o elogio do colega C.S. Lewis: “Ele esteve dentro da língua”. Em pesquisa realizada pela livraria virtual Amazon.com em 1999, “O Senhor dos Anéis” foi eleito o livro do milênio.
Biografia
Nascido em Bloemfontein, África do Sul, no dia 3 de janeiro de 1892, John Ronald Reuel Tolkien era filho de Arthur Reuel Tolkien, empregado de um banco inglês instalado na África, e Mabel Suffield Tolkien. Mas os anos na África foram poucos. Com a morte do pai em 1896, Tolkien e sua família retornaram à Inglaterra, onde foram morar divididos entre as regiões rurais das Midlands Ocidentais e a cidade industrial de Birmingham. Nesta cidade o Jovem Ronald freqüentou a King’s Edward School.
Estando próximo do País de Gales, Tolkien desenvolveu muito cedo sua paixão por línguas. Ele via palavras em galês, que o fascinavam, nos vagões de trem carregados de carvão. Palavras como “Nantyglo” e “Senghenydd”, que o inspirariam na criação das línguas élficas. Convertido ao catolicismo em 1900, juntamente com a família, Tolkien permaneceu profundamente católico até o fim da vida.
A vida levada pela família era relativamente tranqüila mas a morte da mãe, Mabel, em 1904, mudou radicalmente este ambiente. O padre Francis Morgan, amigo de Mabel, assumiu a responsabilidade pela educação e bem-estar de Tolkien e seus irmãos. Morando em uma hospedaria (de uma certa senhora Faulkner), Tolkien conheceu a jovem Edith Bratt e ambos ficaram perdidamente apaixonados. Tolkien tinha 16 anos e Edith, 19. Mas o Padre Morgan descobriu o namoro e o proibiu até que Tolkien completasse 21 anos. Obedecendo a seu tutor, mas sem esquecer Edith, Tolkien ingressou em Oxford em 1911 e mostrou-se um brilhante aluno no estudo de línguas, sua antiga paixão. Suas preferidas eram as línguas germânicas, o inglês antigo, o galês e, principalmente, o finlandês. Esta última também seria uma das bases primordiais para as língua élficas.
Em 1914, o relacionamento de John Ronald e Edith pôde finalmente seguir seu curso. Tolkien concluiu o curso de Língua e Literatura Inglesa em 1915 e datam desta época os fundamentos do qenya (hoje chamado “quenya”), o mais importante dos idiomas criados por Tolkien.
Então, veio a Primeira Guerra Mundial e Tolkien foi convocado para servir como segundo-tenente nos Fuzileiros de Lancashire. Pouco antes de embarcar para a França, porém, Tolkien casou-se com Edith (que se convertera ao catolicismo um ano antes) no dia 22 de março de 1916.
Lutando na Bélgica e após quatro meses no front, o jovem linguísta contraiu a chamada “febre das trincheiras”, uma infecção semelhante ao tifo, devido às péssimas condições de higiene no exército. De volta à Inglaterra, Tolkien passou a escrever os primeiros esboços de sua mitologia, com as primeiras histórias de elfos, anões e homens, e os relatos originais da queda de Gondolin e de Nargothrond. Em 1917, nasceu John Francis Reuel, o primeiro filho do casal. Depois vieram Michael, Christopher, e uma menina, Priscilla.
Com o fim da guerra, Tolkien seguiu a carreira acadêmica, sendo escolhido Professor Associado de Língua Inglesa na Universidade de Leeds em 1920 e, em 1925, assumindo o cargo de professor de Anglo-saxão em Oxford. Dedicando-se principalmente ao estudo da literatura em inglês antigo e médio, Tolkien elaborou estudos sobre o poema anglo-saxão “Beowulf”. Estes estudos estão hoje entre os mais importantes do gênero.
Em família, Tolkien tinha o costume de contar histórias, criadas por ele próprio, para seus filhos e um dia, quando corrigia provas da faculdade, ele se deparou com uma folha em branco e, movido por um impulso inexplicável, escreveu nela: “Numa toca no chão vivia um hobbit”. A partir disso criou mais uma história para seus filhos, onde narrava as aventuras do hobbit Bilbo.
A história chegou às mãos de Stanley Unwin, da editora George Allen and Unwin, que decidiu publicá-la em 1937 com o título “O Hobbit” após seu filho de 10 anos, Rayner, ler e adorar o livro. Devido ao estrondoso sucesso alcançado, o editor pediu a Tolkien uma continuação para as aventuras de Bilbo.
E Tolkien a escreveu, acrescentando suas velhas lendas élficas. O processo foi longo e demorou mais de 16 anos para ser concluído e a história se tornou um épico de mais de mil páginas. Rayner, já adulto, ocupava o cargo de seu pai na editora e decidiu arriscar, publicando “O Senhor dos Anéis” em três volumes, lançados de 1954 a 1955. O enorme sucesso surpreendeu a todos, inclusive a Tolkien. Uma edição pirata do livro, lançada em 1965 nos Estados Unidos, onde seguidores do movimento da contracultura e hippies se identificaram com a narrativa, aumentou ainda mais o sucesso. Tolkien e sua obra passaram a ser cultuados e, se por um lado o autor se sentia lisonjeado, o homem Tolkien não estava tão contente, principalmente pelo incômodo que pessoas de todo o mundo causavam, ligando para sua casa e bisbilhotando-o do outro lado da rua.
Aposentado, com os filhos criados e crescidos, Tolkien decidiu se mudar para Bournemouth em 1969, em companhia de Edith. Em 22 de novembro de 1971 ela faleceu e Tolkien voltou para Oxford. Tolkien morreria menos de dois anos depois, em 2 de setembro de 1973. Enterrados juntos no cemitério de Wolvercote, em Oxford, um eco da mais bela história de amor de sua mitologia pode ser visto: em suas lápides Tolkien e Edith são identificados por Beren e Lúthien.